15 de abril de 2011

Literatura: Osvaldo Lopes da Silva retrata o Cabo Verde colonial da primeira metade do séc. XX

Cidade da Praia, 15 abr (Lusa) – Osvaldo Lopes da Silva, um dos mais importantes nomes da História de Cabo Verde, publica hoje o livro “Nos Tempos da Minha Infância”, um retrato do arquipélago no início do século XX que constitui “uma denúncia do colonialismo português”.

Numa entrevista à Agência Lusa, Lopes da Silva, natural de São Nicolau, onde nasceu em 1936, contemporâneo do atual presidente cabo-verdiano, Pedro Pires, lembrou que Cabo Verde era então “uma terra abandonada”, “pobre de recursos naturais e que interessava “muito pouco” ao Portugal colonial.

“O livro procura estabelecer o que era Cabo Verde nos tempos de minha infância, nos anos 1940. E acaba por ser um livro de denúncia forte do colonialismo português. Cabo Verde era uma terra abandonada, pobre de recursos naturais e que interessava muito pouco ao Portugal colonial. As atenções estavam viradas para Angola e Moçambique, territórios que tinham riquezas a explorar”, defendeu.

A Cabo Verde foi, então, atribuído o papel de fornecedor de quadros subalternos para a colonização, mas, apesar disso, “vivia-se muito mal”, sustentou o autor sobre o seu primeiro livro, lembrando que o que mais o marcou, nesse período, foi a fome.

“As secas, muita miséria, a fome. A fome não estava relacionada com as secas. Morria-se no país com seca e, quando vinham as chuvas, continuava-se a morrer, de paludismo, por causa de um organismo debilitado. Digo no livro que os anos 20, 30 e 40 foram anos de fome, com alguns períodos de acalmia. Foi esse período que vivi”, disse.

“Iam-se construindo estradas, calcetando-as, que era mais um apoio para ocupar os famintos do que propriamente outra coisa. E as estradas eram lançadas tendo em conta os traçados deixados pelas alimárias. Calcetava-se, e era isso, não havia nada mais”, realçou.

Lopes da Silva, que esteve na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde (1961/74) como comandante da Artilharia na Frente Leste, salienta na obra também o Estado Novo e as suas leis, “racistas e altamente discriminatórias”, que só viriam a ser suprimidas em 1962 pelo então ministro do Ultramar português, Adriano Moreira.

“Só os portugueses podiam entrar no Exército. O máximo a que podíamos aspirar era a cabo”, exemplificou, entre muitas outras, o homem que, em 1990, por altura da abertura ao pluralismo político em Cabo Verde, abandonou toda a atividade pública devido à sua “frontalidade” e ao facto de, assumiu, ser “politicamente incorreto”.

“Houve demasiadas querelas e não estava para aturar aquilo”, disse à Lusa, sem pormenorizar, mas recusando estabelecer um paralelo entre a abertura ao multipartidarismo, e ao consequente fim do regime monopartidário, e a sua saída da política, depois de ter sido várias vezes ministro no pós-independência (Economia, Finanças e Transportes).

Sobre as suas motivações para escrever “Nos Tempos da Minha Infância”, a explicação é a recorrente: “As novas gerações não têm a menor ideia do que era o país nessa altura. Quero mostrar o que foi o ponto de partida, que era bastante baixo. Quero recordar a memória de um país que, hoje, é completamente diferente”.