Quando tiramos uma radiografia no dentista, por exemplo, como são produzidos os raios X? No interior da máquina de radiografias há um pequeno acelerador de electrões: quando estas partículas são aceleradas e depois curvadas ou desaceleradas libertam-se raios X, com os quais se obtêm as imagens dos nossos dentes. Aliás, este processo físico encontra-se em qualquer método de geração de raios X.
Há grandes máquinas que produzem estes raios - os sincrotrões -, compostas por um túnel circular com um perímetro de centenas de metros a alguns quilómetros, onde feixes de electrões são acelerados e curvados quando passam por ímanes ao longo do percurso. Com esse desvio, os electrões desaceleram e os raios X libertados radiam amostras colocadas no túnel, como materiais diversos ou a molécula de ADN.
O problema é que estas máquinas, além da sua grande dimensão, são bastante caras. Também não é possível ter radiografias de amostras vivas: têm de ser colocadas num substrato, o que mata tudo. "Nos sincrotrões, não é possível ainda obter imagens completas da estrutura de vírus, dado que existem dificuldades na cristalização dos vírus e o brilho das fontes de sincrotrão não permite imagens com o contraste necessário", explica o físico Luís Oliveira e Silva, do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa.
Por tudo isto, os cientistas andam à procura de fontes de raios X mais brilhantes e ultra-rápidas, além de mais baratas e de dimensões reduzidas. É aqui que entra o trabalho de uma equipa internacional, de que fazem parte Luís Silva e outros três colegas do IST (Joana Martins, Samuel Martins e Ricardo Fonseca). Com físicos do Imperial College, em Londres, e da Universidade do Michigan, nos Estados Unidos, os cientistas portugueses anunciaram na última edição da conceituada revista Nature Physics a demonstração experimental de um novo método, que se baseia no uso de lasers e plasmas.
A luz laser, ao contrário da luz solar, que tem todas as cores misturadas e se espalha em todas as direcções, só tem uma cor, propaga-se numa única direcção e os seus fotões estão organizados de uma forma regular. Já o plasma, um dos estados da matéria, é um gás em que os electrões estão separados dos protões e todos se movem livremente. Passou a haver uma sopa de electrões e protões à solta.
No novo método, a equipa usou um impulso laser muito intenso e curto, que, ao passar por um gás (hidrogénio ou hélio), o transforma em plasma. Ao propagar-se pelo plasma, o impulso laser deixa atrás de si uma ondulação, idêntica à deixada por um navio na água. Então, alguns dos electrões do plasma que são afastados à passagem do impulso laser conseguem apanhar a onda e surfá-la, ganhando energia. Enquanto estão a surfar a onda, os electrões também têm uma oscilação lateral, o que os desacelera e faz com que radiem raios X.
Proposto por outra equipa há alguns anos, mas só agora demonstrado, pois não há muitos lasers onde a experiência pudesse ser feita, o que é especial neste método? É muito brilhante, o que significa que liberta muitos fotões, na forma de raios X. E esses fotões produzem um flash de luz ultra-rápido, frisa Luís Silva. "É fácil ver por que isso é importante. Quando tiramos uma fotografia em movimento, o flash de luz tem de ser mais rápido do que o movimento do objecto, senão a imagem fica esborratada."
O elevado número de fotões permite ainda ter um grande contraste, o que torna mais nítidos os detalhes de objectos muito pequenos. Espera-se vir a radiografar vírus. Ou até fazer filmes de vírus e outros sistemas biológicos ainda vivos. "O objectivo a médio prazo é termos um brilho tão elevado e uma fonte tão rápida que conseguimos fazer imagens completas de vírus ou imagens tridimensionais de ADN." Ou até radiografar fenómenos ultra-rápidos, como reacções químicas.
Na mesma altura em que publicou um artigo na revista Nature Physics, o físico Luís Oliveira e Silva, do Instituto Superior Técnico, recebeu a notícia de que ganhou uma bolsa europeia de 1,6 milhões de euros. Atribuída pelo Conselho Europeu de Investigação, a bolsa vai servir para a equipa do físico, de 40 anos, investigar nos próximos cinco anos como é que os raios cósmicos ganham energia na explosão de certas estrelas. Tentará ainda reproduzir esse fenómeno em laboratório. Perceber como os raios cósmicos, as partículas mais energéticas que chegam à Terra, são aceleradas no momento da morte de uma estrela pode permitir optimizar os aceleradores de partículas que forem construídos - por exemplo para fazer melhores radiografias, uma vez que neste caso outros raios (os raios X) resultam da aceleração e desaceleração de partículas.
"Numa altura em que só há más notícias, é bom haver notícias destas. Dá motivação para os próximos cinco anos", diz Luís Silva. "E é importante para as pessoas que trabalham comigo."