Surgiu das folhas de uma planta, que os chineses utilizavam há muito tempo na medicina tradicional, em tratamentos diversos, malária incluída. Mas a artemisinina, o fármaco extraído dessa planta, o mais eficaz que se dispõe para a malária, começou a debater-se com os primeiros casos de resistência do parasita nos últimos dois anos. Uma equipa internacional, coordenada pelo português Pedro Cravo, descobriu o primeiro gene que permite ao parasita resistir a este superfármaco.
O plasmodium já desenvolveu resistência a todos os outros antimaláricos - devido à sua diversidade genética e ao mau uso dos medicamentos -, pelo que a sua eficácia tem sido cada vez menor no tratamento de uma doença que mata todos os anos um a dois milhões de pessoas.
Há cerca de 15 anos começou a aplicar-se a artemisinina e, na altura, a Organização Mundial de Saúde recomendou que fosse incluída nas terapias aplicadas nos países mais flagelados pela doença. Inicialmente, baseava-se num composto químico extraído da planta Artemisia annua, agora é um derivado sintético. Este composto não dá tempo ao parasita de desenvolver resistência, pois funciona como uma bomba-relógio. Assim que é activada, esta bomba terapêutica destrói-o rapidamente. Ainda continua a ser eficaz em 90 por cento dos casos.
Os chineses guardaram este segredo durante muito tempo. Na década de 60, o Exército chinês reuniu um grupo de cientistas para encontrarem e testarem, entre 200 substâncias naturais, a que melhor trataria a malária. Foi assim que, em 1972, a equipa do investigador Tu Youyou reencontrou nas folhas da Artemisia annua o fármaco mais eficaz. Durante dez anos, o Governo chinês escondeu-o do resto do mundo, até que acabou por ser revelado num artigo científico.
Os casos de resistência ainda são raros. "Não é um problema de saúde pública, mas apareceram os primeiros casos no final de 2008, no Sudoeste asiático, na fronteira entre a Tailândia e o Camboja", conta o geneticista Pedro Cravo, do Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa.
Mas como os cientistas querem estar um passo à frente do parasita, várias equipas andaram a ver se este ou aquele gene estaria envolvido nessa resistência. Não encontraram nenhum.
"Queremos descobrir os genes que determinam a resistência à artemisinina antes de ela ser bastante comum, para conseguir aplicar estratégias precoces que evitem que a resistência se desenvolva", diz Pedro Cravo.
Utilizando novas tecnologias de sequenciação dos genomas, a sua equipa vasculhou os cinco mil genes do parasita e anunciou, na revista britânica BMC Genomics, a descoberta de um cujas mutações permitem ao agente patogénico fazer frente aos derivados da artemisinina.
A descoberta foi feita num modelo animal da malária, neste caso num parasita que infecta ratinhos. O passo seguinte é ver se nos parasitas que infectaram seres humanos, e que resistiram aos tratamentos, também está implicado o mesmo gene. Amostras destes parasitas estão a ser investigadas por uma estudante de doutoramento de Pedro Cravo, Gisela Henriques, na Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Além de poder ajudar a travar a resistência à artemisinina, poderá usar-se este gene do parasita e as suas mutações para produzir fármacos melhorados.