16 de junho de 2011

Literatura: “Clarabóia”, romance inédito de Saramago, será editado no Outono

Lisboa, 16 Jun (Lusa) – “Clarabóia”, o romance que José Saramago acabou de escrever em 1953 e deixou inédito até ao fim da vida, será publicado “no final deste ano, em outubro ou novembro”, disse Zeferino Coelho, seu editor e amigo.

Em entrevista à Lusa, a poucos dias do primeiro aniversário da morte do prémio Nobel da Literatura português, a 18 de junho de 2010, o editor da Caminho levantou um pouco o véu sobre a história e as personagens de “Clarabóia”, que classificou como “um bom romance”, onde se encontram já esboços do que viriam a ser as obras seguintes de Saramago.

“Vamos publicá-lo no final do ano. Em outubro ou novembro estará pronto. Eu já tenho comigo o original, estamos a trabalhá-lo – e está completo. Ou seja, é possível publicar o livro sem qualquer interferência, não lhe falta nada, não lhe falta nenhum bocado. Trata-se de um romance e é um romance interessantíssimo. Eu já o li – mais do que uma vez – e lê-se muitíssimo bem. Tem um grande número de personagens, mas aquilo tudo muito bem articulado, muito bem contado”, disse à Lusa.

Quanto ao tema, o editor foi descritivo: “Toda a gente sabe o que é uma claraboia, não é? Existe em muitos prédios que têm uma escada interior de acesso aos andares, está no cimo da escada, no telhado, para iluminar essa escada. O José Saramago imagina um prédio que tem rés-do-chão e dois andares ou três, cada andar está ocupado por uma família, as famílias são todas completamente diferentes e ele conta-nos a história de cada uma delas”.

O romance “é muito rico, é muito diverso e lê-se muitíssimo bem. E nota-se que já tem ali algumas coisas que o José Saramago viria a desenvolver mais tarde… e tem até um personagem que, de alguma maneira, é o Saramago debatendo-se com os seus próprios problemas e, nomeadamente, com um problema que ele nunca resolveu, que é o otimismo e o pessimismo: se a humanidade é recuperável ou não – isso está lá – e que atitude deve cada um de nós tomar, sentirmo-nos responsáveis por aquilo que se passa à nossa volta e intervir ou acharmos que não temos nada a ver com isso e afastarmo-nos de qualquer intervenção na sociedade”, resumiu.

“Isso já está aqui neste livro e é o núcleo central da definição de outras personagens do livro. E é muito curioso vermos que, sendo embora um livro com um estilo completamente diferente daquele que o José Saramago adotou a partir do ‘Levantado do Chão’, no entanto, ele já lá está. Eu acho que é um livro que vai suscitar muita curiosidade e vai ter muitos leitores. Porque se lê bem e é riquíssimo de significados”, argumentou o editor.

“Ele tinha uma necessidade de fazer coisas, de ser ativo, tinha a obsessão de evitar ser uma espécie de Ricardo Reis [heterónimo de Fernando Pessoa sobre o qual publicou um romance em 1984, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”] que, aliás, já está aqui no ‘Clarabóia’. Há aí uma personagem, um jovem, que aluga um quarto num dos apartamentos do tal prédio e que tem como filosofia não se comprometer com nada. E quando sente que está a ganhar raízes, corta-as e vai-se embora, vai fazer outra coisa. E por isso, o rapaz não tem namorada, porque não quer raízes, não quer ter nenhuma espécie de responsabilidade em coisíssima nenhuma”, revelou Zeferino Coelho.

“E isso já é apresentado neste livro – há várias discussões entre o rapaz e o homem que lhe alugou o quarto, que é um sapateiro –, era um tema de que Saramago estava sempre a falar, porque esta é a filosofia do Ricardo Reis: o mundo é um espetáculo que não é para a gente intervir, é só para a gente ver. E deve-se evitar, de todas as maneiras, intervir no mundo. E o Saramago pensava exatamente o contrário. Tinha uma atitude cívica permanente”, comentou.

Trata-se de um romance que o escritor optou por deixar inédito e que agora será conhecido. Zeferino Coelho explicou porquê, contando a história: “Ele escreveu-o no princípio dos anos 1950, o livro foi entregue à editora nessa altura e, depois, a editora não disse nada e, aparentemente, o próprio Saramago se esqueceu do livro – nunca mais ouviu falar dele e esqueceu-se. Até que, nos anos 1980, recebeu uma carta do editor, dizendo que tinha lá o livro, que o publicaria se ele quisesse e ele não quis. Foi lá buscar o livro e devolveram-lho. E é essa cópia que eu tenho agora, uma fotocópia dessa cópia”.

Na altura – prosseguiu -, “ele disse que não, não tencionava publicar o livro, em vida não queria publicá-lo, mas depois acrescentou que se quisessem publicá-lo depois da morte, sobre isso não se pronunciava, que as pessoas que têm de tratar disso fizessem como entendessem”.

“E à Pilar pareceu que sim, que era publicável, e a mim também me parece que o livro é perfeitamente publicável… e faz falta, para que nós saibamos o que é que o Saramago andava a fazer nos anos 1940 e 1950”, sublinhou.