18 de janeiro de 2011

Lido no Público : Portugal vai ser retratado a uma escala inédita a partir de Março

A população portuguesa já começou a decrescer? Qual o impacto das migrações na estrutura etária do país? Já há mais crianças nascidas fora do casamento do que dentro? O interior do país continua a despovoar-se sem excepção ou as cidades médias estão a conseguir contrariar essa tendência?

Estas são algumas das perguntas que os portugueses vão ver respondidas pelos Censos 2011, a operação estatística mais complexa e mais dispendiosa que qualquer país pode realizar e que arranca no próximo dia 7 de Março em Portugal. O grau de pormenor geográfico será maior do que nunca e vai chegar ao nível de cada edifício.

"Vamos, pela primeira vez, reunir as coordenadas geográficas de cada edifício que vai ser recenseado", revela Fernando Casimiro, coordenador da operação do Instituto Nacional de Estatística (INE). Quando for para o terreno, cada recenseador levará consigo um mapa da zona que vai cobrir, com um grau de resolução de meio metro. "É uma cartografia onde se consegue ver uma árvore no jardim", diz Fernando Casimiro.

À medida que for distribuindo os questionários, o recenseador vai tomando nota do número dos edifícios no mapa. Depois, apenas tem de aceder à Internet e introduzi-los numa cartografia digital. "O número do edifício fica automaticamente referenciado às coordenadas geográficas, o que permite disponibilizar informação com uma potencialidade de utilização muito superior à do passado", explica Fernando Casimiro, acrescentando que não há no país nenhuma fonte com este tipo de dados.

Enquanto nos Censos de 2001, o país estava dividido em 180 mil subsecções estatísticas, agora terá 265 mil. Mas, com a referência digital dos edifícios, na prática a informação estará subdividida em 3,5 milhões de unidades. O tipo de informação disponibilizada a este nível terá de obedecer, porém, aos limites impostos pelo segredo estatístico e nunca poderá levar à identificação dos cidadãos.

A distribuição dos questionários decorrerá até 20 de Março. No dia seguinte, no chamado "dia censitário", arranca a fase das respostas. Os primeiros resultados deverão ser conhecidos em Julho. Os resultados finais só chegarão no final do próximo ano. Até lá, e até que as toneladas de números comecem a dar forma e peso às transformações sociais ocorridas na última década, demógrafos, sociólogos, historiadores e geógrafos dominam a ansiedade de vir a saber o que lhes interessa e de ganhar uma nova base de dados para trabalhos futuros.

"A interrogação primordial para mim é quantos somos", adianta o geógrafo Jorge Malheiros, para quem, "apesar das estimativas, há muitas dúvidas sobre qual é a população residente em Portugal". Essa é também a grande interrogação da presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes. "O que eu quero saber é se continuamos acima dos 10 milhões e qual foi o verdadeiro impacto da diminuição da imigração e do aumento da emigração", afirma, dizendo-se curiosa sobre o impacto das migrações na estrutura etária do país.

O segundo dado de que Jorge Malheiros irá à procura é relativo ao despovoamento do interior. "O processo de concentração no litoral não diminuiu. A minha dúvida é se o despovoamento afectou todo o interior, sem excepções, ou se as cidades médias estão a funcionar como âncoras que contrariam essa tendência."

A socióloga Anália Cardoso Torres vai estar muito mais atenta aos números relacionados com o modo como os portugueses se agrupam. Numa década marcada pela regulamentação das uniões de facto e dos casamentos homossexuais, mas sobretudo por fenómenos como a queda, em muitos sítios abrupta, dos casamentos religiosos e do aumento dos divórcios, a socióloga aguarda com expectativa a quantificação destas mudanças.

"Entre 2000 e 2008 os nascimentos fora do casamento subiram tanto como em 30 anos. A descida do casamento católico, a mesma coisa, ou seja, desceu 20 pontos percentuais em oito ou nove anos, mas esta desinstitucionalização do laço conjugal é mais acentuada numas zonas do que noutras e vai ser interessante analisar estas diferenças", adianta Anália Torres, para explicar que "só com os censos é possível saber quantas pessoas estão a viver em união de facto em Portugal, o que é diferente de saber qual tem sido a evolução ano a ano". Para enquadrar estas mudanças, os inquéritos do INE colocam perguntas novas. No domínio da família, as principais alterações são a introdução dos casamentos e das uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo. Outra novidade é que avós e netos que partilhem a mesma casa deixam de contar como núcleos familiares, assim como quaisquer coabitantes sem continuidade geracional. Para caracterizar as famílias reconstituídas com mais minúcia, o INE introduziu outra nova variável que distingue os filhos comuns ao casal dos resultantes de anteriores uniões. Do mesmo modo, a cada residente no território português será perguntado se alguma vez residiu no estrangeiro, onde e quando.

Em termos habitacionais, as variáveis sobre o tipo de alojamento foram alteradas no sentido de individualizar a população sem-abrigo. Até agora agrupada na categoria outro local habitado, a população sem-abrigo surge, pela primeira vez, autonomizada nos censos, incluindo-se aqui todos os que, no momento censitário, se encontram a viver na rua ou noutro espaço público como jardins, estações de metro, paragens de autocarro, arcadas de edifícios, pontes e viadutos, e ainda aqueles que, embora pernoitando nalgum abrigo nocturno, sejam forçados a passar várias horas por dia num local público.

De fora ficam os que habitam espaços enquadráveis na tipologia de alojamento, como casas ou fábricas abandonadas, a par dos que, não tendo alojamento, estejam no momento da contagem a viver em hospitais, apartamentos de reinserção ou em pensões pagas pela Segurança Social.

No tocante ao alojamento propriamente dito, as novidades surgem com a pergunta sobre a existência ou não de ar condicionado e sobre qual a principal fonte de energia utilizada para o aquecimento. A par disso, a população será questionada sobre a área útil da casa em que vive e sobre a existência ou não de lugar de estacionamento, o que não se verificava em 2001. A filosofia aqui, segundo o Programa de Acção dos Censos 2011, é que a existência ou não de lugar de estacionamento é "um elemento decisivo na definição das políticas de planeamento urbano e das intervenções urbanísticas a realizar".

Outra das alterações prende-se com o desaparecimento de perguntas sobre a electricidade e a existência de cozinha ou kitchenette. Explicação: "Os resultados dos Censos 2001 indicam que 99,5% dos alojamentos familiares possuíam electricidade e 99,7% dos alojamentos familiares clássicos tinham cozinha ou kitchenette", ou seja, as perguntas tornaram-se redundantes.

À margem das questões de conteúdo, os Censos 2011 oferecem pela primeira vez a possibilidade de as respostas serem entregues via Internet. Por outro lado, o questionário de família poderá ser preenchido pelo cidadão, em vez de pelo recenseador, "no sentido de garantir uma maior privacidade e autonomia de resposta por parte da população".

A presidente do INE, Alda Carvalho, afirma que a resposta aos censos é obrigatória, mas ressalta que a motivação para os cidadãos participarem deve vir de outro lado. "É um dever dos cidadãos contribuir para a fotografia, mas é também um direito aparecer na fotografia", diz.