Desejos: que a sua descrição, "a página infinita da Internet", pegue; mas também que, um dia, a publicação das suas obras completas contenha pelo menos um volume de cartas dos seus leitores. É que algumas fizeram-no chorar. "A mim, chorar", sublinhou.
Definição de blogue: entre outras coisas, "uma espécie de pudim instantâneo", ou "nada do outro mundo".
Mas o próximo grande post de Saramago, ou melhor, o seu próximo romance, está para breve. O sucessor de A Viagem do Elefante (2008) já está nas mãos do editor, revelou o autor.
Que ainda não está já a trabalhar num novo livro. "Mas gostava." Ontem, numa sala de um hotel em Lisboa, em directo para a Internet e frente a mais de uma centena de pessoas de todas as idades - muitos jovens, mas sem os computadores que o Sapo convidava a estarem presentes, amigos e leitores de longa data -, José Saramago deu por si num fórum monotemático.
A apresentação do seu novo livro, O Caderno, transposição para o papel do seu blogue através da Caminho/Leya, serviu para responder a perguntas e para conversar, inevitavelmente, sobre os temas blogue e Internet.
Um blogue, essa palavra aceite "de maneira automática, acrítica", "é simplesmente a oportunidade de as pessoas escreverem na página infinita da Internet - uma definição belíssima que ninguém apanhou", recordou sobre um seu post de Novembro de 2008.
Já se sabe que foi a sua mulher, Pilar del Rio, que o converteu à liça dos blogues. Mas continua desconfortável com a sua nova categoria. "Bloguista...tem um ar insultuoso." "Você é bloguista!", atira. "Blogueiro também não melhora nada...", suspira.
Emprestado à Internet o Prémio Nobel da Literatura 1998 espanta-se ainda com as questões em torno da sua entrada na blogosfera.
"É proibido a gente que tem 86 anos escrever num blogue? Não. É caso para surpresa? Estou a fazer o que faço há anos - escrever." Escreve no computador, sejam livros sejam posts, e já não escreve uma carta com caneta "há uma quantidade de anos". Não lê os blogues dos outros, admite, e não é um membro tradicional da tribo 2.0.
No seu blogue, não recomenda ou faz ligações com outros blogues. E muito menos vai entrar em diálogo com o bloguista do lado. "Eu estou emprestado à Internet" e trocar galhardetes está fora de questão. "Primeiro, sou muito individualista - o meu é meu e não é de mais ninguém.
Entrar numa espécie de conversa de compadres não me atrai nada!" Na apresentação high-tech, os leitores não entraram em directo via Internet para fazer perguntas ao autor, e houve apenas tempo para três perguntas de admiradores, das mais de 200 que nos últimos dois dias foram recebidas pelo Sapo. Uma delas fez Saramago defender os direitos autorais, o objecto livro e insurgir-se contra a pirataria e as suas principais vítimas, os músicos. E ainda que Saramago não tenha mostrado grande simpatia pelo livro electrónico, Pilar del Rio revelou que o autor assinou um contrato para os EUA que inclui já a publicação em e-book.
Dois milhões de visitas
Saramago não se deixa impressionar com os dois milhões de visitas ao seu blogue mas já percebeu, pela reacção forte a um post mais intimista, sobre um relógio oferecido por um amigo, "que as pessoas não querem só assuntos sérios". Os seus leitores não querem só ver Saramago a falar de política internacional ou de literatura, a elogiar Baltasar Garzón ou a avisar Obama. Os leitores de Saramago online querem sentir-se mais perto dele, lá em Lanzarote, no seu regime diário de posts e de duas novas páginas de romance por dia.
Mas Sílvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano que há muito o incomoda, é assunto inesgotável. A editora Einaudi recusou publicar O Caderno pelos ataques ao Cavaliere, "homem burlesco", e isso não o surpreendeu.
Outra editora o vai receber, em Setembro, em Itália, e o capítulo Einaudi, propriedade de Berlusconi, está encerrado.
E não, José Saramago não quer ser seu amigo no Facebook. Internet, ma non troppo. "Agora há essa coisa que se chama Facebook. Já me convidaram, a minha neta disse-me que devíamos lá estar. Mas [a rede social] tem um inconveniente - há que fugir dos grupos. O grupo é autoritário, impõe regras." O escritor não quer, decididamente, "ir atrás da banda só porque ela vai a tocar".
Com a esperança que o blogue ainda continue acessível : O Caderno